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Notícias

4 de fevereiro de 2013

Os médicos choram?

Vinicius Basegio

Médico e coordenador da Samu Carazinho

Ao retornar de Santa Maria para minha casa decidi compartilhar, sob forma de relato, a minha vivência nesta tragédia. Primeiro, porque fomos lá? Ao me deparar na madrugada, com a notícia, me senti inquieto, ansioso. A minha casa, não era mais o local onde eu resido e sim aonde as pessoas estavam sofrendo, eu precisava ir para lá para ajudar de alguma forma. Reuni quatro voluntários da equipe Samu-Carazinho e partimos com meios próprios para o local da tragédia. O que moveu a nossa ida não foi nada mais do que isso, a vontade de estar ajudando as famílias das vítimas. Não considero isso uma qualidade nobre, que me torne uma pessoa especial, acho sim uma qualidade fundamental da nossa existência; peco que a todos que ao ler essa mensagem, tentem perceber que podemos ser um pouco mais altruístas, podemos fazer o bem sem esperar nada em troca, independente do momento de nossas vidas, em momentos de tragédias ou no nosso dia a dia.

Chegamos junto com a equipe de SAMU-Rosário do Sul e lá nos estabelecemos para atender as famílias que iniciariam o reconhecimento dos seus filhos e parentes, vítimas do incêndio na boate Kiss. A cada reconhecimento positivo, sentíamos apunhalados e uma enorme tristeza atingia a todos da equipe. Tentávamos nos conter no momento e dar um suporte para esses familiares, sob a forma de um abraco, de alguma palavra ou de qualquer outra maneira. Alguns casos exigiam uma atenção maior, de uma mãe que perdera sua única filha, jovem estudante, ao tio que perdera seus dois sobrinhos. Passamos o dia inteiro atendendo, vivendo essa situação de caos. Apesar de abalados, cansados e completamente exaustos continuávamos atendendo aqueles que precisam de nós. Nosso cansaço era totalmente irrelevante mediante a irreparável perda de todas aquelas famílias. Aguentamos até o momento em que nosso corpos não tinham mais condições físicas, só então voltamos para as nossas casas.

Voltando com toda a equipe exausta, uma estrada vazia, no mais puro silêncio, lembrei de um amigo perguntando porque nós, profissionais da saúde nos tornarmos pessoas com um temperamento frio, imparciais perante a dor ou sofrimento. A grande maioria deles fala que a gente acaba se acostumando, vira rotina. Para isso existe o protocolo da doença, você vai lá, explica o que o paciente tem, o que ele tem que fazer e acabou. E isso desgasta cada vez mais nossas relações. Eles (pacientes) viram números, letras, fichários... nada mais do que isso. Respondi que já havia compartilhado a dor com alguns pacientes, e até mesmo chorado junto, e foi aí que veio o momento de maior espanto dele. Os médicos choram? Sim, antes de tudo, ainda são seres humanos...

Neste retorno, percebi que não existiam protocolos, não existiam mais os pacientes, e sim somente seus familiares, seres humanos devastados por uma imensa tragédia. Pela metade do caminho da volta, consegui entender que existiam sim ao meu lado, pessoas que como eu, estavam dispostas a fazer de tudo para amenizar a dor deles, simplesmente não esperando nada em troca.
Esse foi o momento de chorarmos juntos...
Gostaria muito que cada um ao ler esse texto pudesse pensar sobre como você pode melhorar sua relação com as outras pessoas. A gente não precisa ver, somente no momento da crise, a nossa parte mais nobre, podemos fazer isso no nosso dia a dia, com pais, mães, irmãos, primos, amigos. Lembrei-me também o que faltava escrever: não precisa ser médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, condutor, socorrista ou qualquer outra profissão da área de saúde para ajudar. Basta ser humano. 

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