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Notícias

19 de julho de 2013

Aindamente o nome Campo Real fosse mais belo, o povo deverasmente preferiu Não-Me-Toque

Por: Helaine Gnoatto Zart

Capa do jornal A Unidade de Campo Real edição de 1º de agosto de 1975
Novela de 1976, escrita por Dias Gomes, tem nova versão sendo apresentada pela Rede Globo

A estréia do remake da novela Saramandaia na Rede Globo, dia 24 de junho, que foi apresentada no ano de 1976, voltou a despertar a curiosidade da população sobre o episódio da troca de nome do município de Não-Me-Toque, fato que inspirou o novelista Dias Gomes para escrever o primeiro roteiro.
Além de utilizar linguagem de cordel, criar personagens e fatos de realismo fantástico, muito presentes na literatura, arte e poesia populares da Bahia ao Ceará, o autor de teledramaturgia se utilizou das possibilidades técnicas que a televisão oferecia na época para contar sua história numa linguagem diferente da que até então se empregou na telenovela.
Pano de fundo da história, a disputa pelo poder político do lugarejo nordestino chamado Bole-Bole foi enriquecido com a polêmica troca de nome. De um lado os que queriam deixar de ser bole-bolenses e, de outro, os que eram contra ao novo nome: Saramandaia.
Como bom contador de histórias, Dias Gomes pegou carona na polêmica troca de nome vivida pelo pequeno município gaúcho, Não-Me-Toque, que teve o nome trocado, tornando-se Campo Real. Mas a disputa na vida real não parou por aí. Teve até plebiscito autorizado pelo Governo do Estado. Deu-se então a volta ao nome de Não-Me-Toque. Veja como aconteceu.
Segundo o ex-prefeito Armando Roos - vereador na época da polêmica – a inspiração de Dias Gomes não se ateve ao curioso nome Bole-Bole, um antagonismo a Não-Me-Toque. A disputa política também teve vez na história. Armando garante que nenhum outro estranho personagem da novela saiu da sua cidade.
A disputa entre a “elite” e o “povo” teve sua origem entre as lideranças e pessoas que costumavam viajar, sair do município e eram constante alvo de chacotas. A idéia surgiu realmente entre as lideranças que se uniram de forma suprapartidária, unindo MDB e Arena, líderes políticos, administrativos, religiosos, econômicos, técnicos e culturais. Uma lista com 60 nomes, que se esperava representasse toda a população, lançou um manifesto em 1º de setembro de 1970, explicando o movimento que pretendia mudar o nome do município.
A partir de então o assunto virou notícia na imprensa regional e nacional. O livro “Não-Me-Toque no rastro da sua história”, de Sandra Virgília Pedroso Cunha, traz pormenores em 20 páginas.
- Pouco antes do plebiscito, recebemos a jornalista Marília Gabriela, que veio fazer uma reportagem exibida no programa Fantástico, da Globo, sobre o assunto – lembra Armando Roos.
O plebiscito ocorreu no dia 10 de agosto de 1975. Mas antes disso, pratrasmente, muita água rolou por debaixo da ponte.
Como a comissão de liderança percebeu que o assunto não seria aceito passivamente, as autoridades decidiram utilizar o expediente da lei existente e fizeram a mudança do nome por Decreto Executivo e decreto Legislativo. O município anoiteceu Não-Me-Toque e amanheceu Campo Real e em 9 de dezembro de 1971, o governador Eucliedes Triches sancionou a Lei 6350 que estabelecia a troca do nome.
- Campo Real foi escolhido porque representava a principal cultura da nossa região, o trigo, o cereal rei – explica Armando Roos que foi um dos líderes do movimento pela troca do nome. O nome foi trazido como sugestão pelo médico Armando Wagner, que veio de Porto Alegre de um encontro com colegas de turma.
A Rádio Farroupilha, a TV Piratini, o Correio Brasiliense e o Correio do Povo acompanharam os fatos com detalhes e até emitiam opinião. Muita gente queria opinar e o povo, mobilizado por uma das lideranças esquecidas pelo movimento que queria a mudança, o ex-prefeito Arnildo Scheibe, foi à luta para retomar a designação.
Os defensores de NMT passaram de casa em casa alegando que a troca de nome exigia que fossem mudados todos os documentos pessoais e os registros de imóveis. Até os casamentos deixariam de ter validade.
- Aprendi com os mais velhos que em política é preciso ter humildade e não subestimar os adversários – comenta Roos.
A mobilização contra a mudança chegou à Assembléia Legislativa em fevereiro de 1972, através de abaixo assinado com centenas de assinaturas.
E a briga continuou até que o juiz Marcel Esquivel Hoppe, da Comarca de Carazinho, decidiu pela realização do plebiscito, fundamentado nas lei de 1960, com alterações em 1973 e 1975, marcado para o dia 10 de agosto de 1975.
- O Tribunal Regional Eleitoral disse que não era sua competência e mandou o juiz decidir – relata Armando Roos lembrando que mo caso de NMT motivou as alterações na lei.
A disputa foi acirradíssima. Teve comitê, panfletagem e até comício.
Os pró-Campo real tentaram até um mandado de segurança contra o plebiscito encaminhado ao TJE em 5 de agosto de 1975, Mas não impediu sua realização.
O resultado: 1.995 votos a favor de Campo Real e 2.462 votos pela volta de Não-Me-Toque. O juiz proibiu qualquer comemoração após o resultado, para evitar transbordamentos de entusiasmo.
“Uma passeata sem precedentes incendiou a cidade com a queima de mais de 500 dúzias de foguetes e um monumental desfile de  máquinas agrícolas, automóveis, caminhões e até bicicletas comemoraram a vitória.” (Jornal O Alto Jacuí, 15/8/1975, referindo-se ao ocorrido no dia 11 de agosto).
Segundo Armando Roos, as feridas e desentendimentos duraram muitos anos, entre famílias, amigos e partidários políticos.
Sérgio Dornelles, do Ofício de Registros de Não-Me-Toque, que junto com seu pai fez parte do grupo que desejou a mudança do nome, ainda hoje acha que foi um “crime” não ter sido aceito.
Nos livros do Cartório, mostra o nome da primeira criança registrada em Campo Real: Sandra Ronise Kossmann, de São José do Centro, em 18/12/1971. E também a última: Karin Malvina Kissmann, em 11/4/1977.
Oficialmente, o município voltou a se chamar Não-Me-Toque em 27 de dezembro de 1976, no ano em que estreiou a novela Saramandaia. Pela cidade e interior foram vistas muitas placas indicando: “Bole-Bole” e “Saramandaia”. Eram os não-me-toquenses corneteando os camporealenses.

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