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Notícias

21 de maio de 2021

Em dez anos, país teve mais de 2,5 milhões de pessoas intoxicadas por agrotóxicos, diz pesquisadora

Por Agência Brasil

O Brasil registrou 56 mil casos de intoxicação por agrotóxicos nos últimos dez anos, segundo a professora Larissa Bombardi, da Universidade de São Paulo. Porém, considerando que para cada caso notificado havia outros 50 que não chegavam ao conhecimento do Ministério da Saúde, o número salta para mais de 2,5 milhões, explica ela. A afirmação foi feita hoje (20), em audiência pública da Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia Legislativa, sobre o PL 260/2020, do Executivo, que propõe alteração na Lei nº 7.747 de 22 de dezembro de 1982, autorizando o uso de agrotóxicos proibidos nos países onde são produzidos.

“O Rio Grande do Sul protagonizou uma decisão importantíssima (ao propor a lei de 1982) e não pode caminhar para trás”, frisou a pesquisadora por diversas vezes em sua fala, ao apresentar dados alarmantes sobre o tema. Ela mostrou um mapa no qual os países apareciam com o tamanho proporcional à sua participação no mercado dos agrotóxicos. Os países da União Européia – maiores exportadores – surgiam ampliados, ao passo que os do hemisfério sul vinham reduzidos. “Esta tem sido a lógica”, disse a pesquisadora comparando os dois hemisférios. “Por um lado, a produção mundial de alimentos e, por outro, a de substâncias dos agrotóxicos”.

De acordo com a professora, a área cultivada no Brasil aumentou cerca de 30% nos últimos anos, enquanto o consumo de agrotóxicos cresceu muito mais do que 50%, o que, segundo ela, ajudaria a entender o porquê de tantas intoxicações. Em 2018, a União Europeia teria exportado mais de 50 milhões de quilos de agrotóxicos para o Mercosul, dos quais mais de 10% proibidos no território de origem.

Dos sete agrotóxicos mais vendidos no país hoje, ainda de acordo com a pesquisadora, três eram proibidos na Europa: o glifosato, o acefato e a atrazina. Dando a dimensão do problema, ela citou alguns dos danos à saúde que estariam associados a eles. Em relação ao acefato, disse que era citotóxico e genotóxico sobre espermatozóides humanos, podendo ser causa de diabetes tipo 2, hiperglicemia, disfunção no metabolismo de lipídios, danos ao DNA e câncer. A atrazina, por sua vez, estaria associada a câncer de estômago, linfoma não-Hodgkin, câncer de próstata, câncer de tireóide, de ovário, mal de Parkinson, asma, respiração com ruído, infertilidade, baixa qualidade do sêmen, malformações congênitas e danos a células hepáticas.

Exposição crônica
Ainda conforme a professora, o Brasil permitia um resíduo desta última substância na água em limite 20 vezes superior àquele permitido pela União Européia. Quanto ao acefato – e também à malationa – sequer havia um limite estabelecido. “Estamos cronicamente expostos aos malefícios que essas substâncias trazem.

Em relação ao glifosato, Larissa afirmou que o país autorizava um resíduo na água potável 5 mil vezes superior ao limite aceito na União Europeia. "Considero isso inominável", disse. “Uma forma de colonialismo molecular”.

Para ilustrar os riscos a essa exposição, ela mostrou imagens de ratos que haviam sido alimentados com milho transgênico e água com agrotóxicos e que apresentavam deformações físicas decorrentes da experiência. Disse que em razão desse e de outros estudos, a Organização Mundial da Saúde havia decidido, em 2015, classificar o glifosato como 2A, isto é “comprovadamente cancerígeno para animais mamíferos e potencialmente cancerígeno para seres humanos”.

Seguindo-se à fala da professora, o também professor e pesquisador Wanderlei Pignati, da Universidade Federal de Mato Grosso, acrescentou mais dados relacionados aos danos causados pelos agrotóxicos à saúde e ao meio ambiente, lembrando que o Brasil era o maior consumidor do mundo dessas substâncias, com 20% do consumo, à frente da China e dos Estados Unidos. Entre as informações transmitidas, disse que as áreas  com maior incidência de câncer infanto-juvenil coincidiam com aquelas onde havia maior utilização de agrotóxicos.

Deputados
Os proponentes da audiência, deputados Edegar Pretto (PT), Jeferson Fernandes (PT) e Zé Nunes (PT), agradeceram a participação dos convidados e pediram a mobilização de todos pela retirada do projeto. Edegar Pretto, que preside a comissão, disse que o assunto não era novidade, porque em 2012 um projeto similar havia ingressado na Casa e graças à mobilização popular acabou sendo retirado.

Na abertura dos trabalhos, o presidente da comissão contextualizou o tema, lembrando que a legislação em vigor para o registro de agrotóxicos e outros biocidas no estado está na Lei nº 7.747, de dezembro de 1982, de autoria do deputado Antenor Ferrari, que não permite que produtos que não sejam autorizados nos seus países sejam usados no estado. A aprovação dessa lei foi um grande avanço e equiparou o RS a países europeus que naquele tempo estavam preocupados com as repercussões à saúde humana e ao ambiente, destacou. Disse que o governador havia assegurado que o projeto não voltaria a tramitar em regime de urgência, mas que dias atrás recebeu uma ligação do chefe da Casa Civil informando uma mudança nesse entendimento.

O deputado Jeferson Fernandes (PT) cumprimentou o colega por sua luta pela alimentação saudável e os demais participantes por “dizerem não ao veneno”. Criticou o governador por adotar medidas que o aproximavam muito do comportamento do presidente da República e disse que o considerava um “Bolsonaro de sapatênis” por ter um estilo mais sofisticado, mas fazer, na prática, o mesmo que o mandatário do país.

O deputado Zé Nunes (PT), que é técnico agrícola e engenheiro agrônomo, com especialização em Toxicologia, disse que 30% do PIB estava relacionado diretamente à produção de alimentos na agricultura familiar e que o projeto estava na contramão da história. Para o parlamentar, os argumentos em sua defesa não se sustentavam, uma vez que o Estado havia atingido a liderança no setor tendo a legislação protetiva. Defendeu a qualificação da produção pela lógica inversa, isto é, de agregação de valor na produção de alimentos limpos.

A conselheira do Conselho Estadual de Saúde, Ana Valls, disse que era preciso defender a saúde com unhas e dentes, pois ela vinha sendo atacada de todas as formas no estado e no país. Segundo ela, no ano passado o Conselho havia aprovado uma moção contrária ao PL que foi entregue ao governador em mãos, mas o estado cada vez se afastava mais das suas obrigações de controlar e fiscalizar o uso de agrotóxicos, deixando a população à deriva. “Queremos que esse PL desapareça e que a Lei nº 7.747 de 22 de dezembro de 1982 seja aplicada na sua íntegra”, disse.

O engenheiro agrônomo e chefe da Divisão de Insumos e Serviços Agropecuários da Secretária de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, Rafael Frederich Lima, defendeu o trabalho realizado pelos fiscais, descrevendo as ações realizadas no estado, a despeito do valor reduzido das diárias recebidas, e a existência de sistemas nos quais as informações eram sistematizadas. Ele também referiu o aumento observado no uso de produtos falsificados, o que levou à reedição de uma norma visando a coibir a prática.

Também a bióloga Isa Carla Osterkamp, assessora da presidência da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), descreveu as atividades da instituição, afirmando que o cadastro de produtos mantido por eles era bastante minucioso. No site da Fepam, segundo ela, constavam 1.384 produtos agrotóxicos, dos quais 787 deferidos, 532 em análise, 13 aguardando complementação, 38 indeferidos e 14 liberados por ordem judicial.

O engenheiro agrônomo Elder Dal Pra, coordenador das áreas de Defesa Sanitária Vegetal e Culturas da Emater, disse que infelizmente o uso de agrotóxicos era inevitável, mas que trabalhavam por sua racionalização.

Órgão do governo estadual é contrário ao projeto
A bióloga Silvia Thaler, do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs) da Secretaria Estadual da Saúde e integrante do Grupo de Trabalho de Agrotóxicos, informou que o órgão se posicionou oficialmente contra o projeto do Executivo, o que chamou a atenção do presidente da comissão, Edegar Pretto, por se tratar de ente do próprio governo. Para ela, o Estado deveria ser ainda mais protetivo e restritivo quanto à liberação de agrotóxicos.

O presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez, classificou o gesto do governo de “biocídio” por colocar em risco a vida em geral.

Também expressaram contrariedade ao projeto os representantes da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, Sirlei Haubert, que apresentou um histórico das regulamentações e medidas sobre o tema, observando que, embora a lei dos agrotóxicos fosse de 1982, ela começou a ter uma aplicação mais efetiva somente em 2002, quando houve concurso para a Fepam; do Conselho Estadual de Diretos Humanos, Julio Alt; da Associação dos Servidores da Fepam, Nilo Barbosa, entre outros.

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