Passo Fundo/RS: Tempo nublado
Carazinho/RS: Chuvas esparsas
Passo Fundo/RS: Tempo nublado
Carazinho/RS: Chuvas esparsas

Notícias

13 de agosto de 2022

Nem uma gota

Eram exatamente 6:55 quando sôou o bipe do despertador. Mais um dia, pensei. Mais um dia como todos os outros. Nunca gostei de acordar cedo, mas fiz isso a vida inteira. Metodicamente me entregava aos passos ensaiados do início da manhã. Precisava de um banho quente para realmente despertar. Me vestia, ligava o rádio, preparava o chimarrão e ensaiava alguma conversa inevitável do dia. Olhava através da janela a mesma paisagem de todos os dias, olhava, mas nem sequer via, aquela era uma rotina quase sagrada. Com os olhos treinados, busquei no relógio, como todos os dias, o tempo limite de permanecer ali. Só olhava para comprovar, meu corpo já tinha se acostumado a todos os horários.

Quando saí, já quase atrasada, percebi que estava garoando e não tinha tempo de ir procurar um guarda-chuva. Foi então que, com um pensamento infantil, desejei não trabalhar molhada. Não queria me molhar e não estava fazendo nada além de desejar. Às vezes eu era meio criança e acreditava em contos de fada. Naquele instante, como em um passe de mágica, não sei por que, nem como, meu desejo se tornava realidade. Eu via a chuva cair, mas não sentia que me atingia. Foi então que sorri em cumplicidade com os céus e pensei: “-Será que tenho algo especial?”

Permaneci caminhando e lembrei das vezes que me vi realizando tarefas que ninguém me ensinou. Minha habilidade sempre chamou atenção. Me envaidecia toda vez que alguém me elogiava por algo que sabia fazer. Chegava a pensar algumas vezes que podia fazer qualquer coisa. Porém, quanto mais fazia, mais encontravam em mim habilidades que eu nem sequer sabia que existiam. Pois agora eu controlava as gotas de chuva (sorri), melhor não contar pra ninguém.

Eu sempre fui um ser humano qualquer, não tinha nada de diferente em mim, inclusive me achava mais alta que o normal na adolescência e um pouco desengonçada. Mas apesar de ser bastante comum, sempre senti que existia algo além daquilo que eu sabia sobre a minha identidade. As vezes quando me olhava no espelho, quase me via, arregalava os olhos tentando me encontrar, mas fugia. Sabia que existia alguém maior ali que se escondia. Me examinava, tentando lembrar de algo ainda não revelado, algo que pudesse garantir que eu era realmente especial. Nada. Somente especulações.

Aquele trajeto até o trabalho levou mais tempo que o normal, foram tantos pensamentos bobos, que quase me tiraram a certeza de aquele era um dia qualquer. Um dia como todos os outros.

Chegando ao meu destino, conferi minha camisa: Nem uma gota.

Lá fora a chuva engrossava e minha mesa cheia de trabalho garantia: Aquele era um dia como todos os outros.

Esse dia permaneceu na minha memória. Apesar de nunca mais conseguir me manter seca na chuva, e de ter trabalhado alguns dias com a roupa úmida, eu guardava este segredinho com os céus. Se eu era especial ou não, não sabia, talvez um dia descobriria.

Utilizamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência, de acordo com a nossa Política de Privacidade e, ao continuar navegando, você concorda com estas condições.
Permitir