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Notícias

7 de maio de 2022

Tália

Merci S Schmidt

Tália, com quinze anos, frequentava o segundo ano do ensino médio em Porto Alegre quando atou amizade com Northon, seu colega de turma. Passaram a estudar juntos, duas tardes por semana; ele com dificuldade em Português, matéria que ela gostava, enquanto ela tremia nas provas de matemática, disciplina onde ele era o craque.

Algo a mais tinham em comum: ambos não possuíam a voz de pai, dentro de casa. Northon mal o conheceu; aceitou e introjetou o pai que a mãe interpretou para ele, durante a vida. Enquanto ela fazia do filho sua força e salvação.

Idealizaram juntos uma história segura para a realização pessoal. Feita a pesquisa, elegeram a Universidade Federal do Rio Grande do Sul como alvo a alcançar, pela qualidade dos cursos que almejavam, assim como para poder continuar morando na casa materna, condição necessária. Ela decidiu por Belas Artes, enquanto ele, Engenharia Civil. Sabiam que era um sonho de alto desempenho, mas trataram de desenvolver atitudes para um caminho possível.

O apoio no processo da aprendizagem evoluiu com a constante cumplicidade da avó, que se encantava com o comprometimento dos dois; como também a alta cotação e elogios que recebia pelos quitutes para o lanche da tarde, nos dias de estudo da dupla.

Me sinto abençoada como avó, porém esqueci que os tempos mudaram e que a curiosidade dos jovens se antecipou, além disso minha umbrosa ignorância é transdisciplinar. Minha neta na sua caverna cada dia mais silenciosa e comprometida consigo mesma, e com um boletim que orgulha a sua mãe. Ainda ajuda o colega com a matéria que gosta e aprende com ele o que tem dificuldade. Quem quer responsabilidade mais prazerosa? Eu é que não! Só tenho uma filha que me deu duas netas. Uma já está encaminhada e é autônoma. A outra aqui, evoluindo conforme a régua da sua mãe. Vou procurar penas em ovo?  Cuidado, vou achar!

No terceiro ano do ensino médio, minha neta está com aparência abatida, pálida e com delicadezas para comer. Sua caverna já não se apresenta tão bem organizada e tem vezes que infringe os acordos feitos. De manhã a mãe a acompanha até o colégio. As tardes são de minha responsabilidade e, às vezes, ela não vem. Como moramos no mesmo prédio, vou até seu apartamento, e a encontro deitada. Diz que está cansada, mas o que me passa é que está na lua. A mãe a levou ao médico, fez alguns exames que apresentaram anemia. Pode ser ou pode não ser? Tem algo que a deixa aérea!

Estou apreensiva. Sinto que somos mais do que colegas, essa intimidade nos levou a ensaiar o sexo. Não houve penetração, mas não estou mais menstruando.  Fiz um exame de farmácia e estou grávida. Nossa vida está muito mudada, passo o dia com o pensamento fixo: O que fazer? Hoje decidimos que a solução será abortar.  Northon já sabe onde, mas não temos dinheiro. Vendemos tudo o que podíamos vender e não chega.

Estou no sexto mês de gravidez e ainda não conseguimos dinheiro suficiente. Não queremos contar para ninguém, as nossas famílias já tem muitos problemas. Sou alta e muito magra, assim ainda não aparece, mas percebo que minha avó está preocupada comigo.

Mamãe me levou para terapia, disse que estou muito fechada. Me deixou lá e foi para o trabalho. A terapeuta perguntou: Nome, endereço, escola onde estudo e quantos meses de gravidez? Quase desmaiei.

- Como sabes que estou grávida?

- Teu lindo rostinho de mãe te apresenta, disse ela.

Foi a melhor coisa que me aconteceu, pois a angústia que estava sentindo se evaporou. Lembrei-me da Gruta de Lascaux, que a professora nos mostrou em vídeo, essa semana. Fui descoberta! Não estamos mais sós. Uma gruta maravilhosa que ficou escondida até que quatro meninos aventureiros a descobriram. A terapeuta me revelou a descoberta, e foi bom.  Apesar de todos os obstáculos sei que a morte tem o peso que minha consciência me dará, e ainda não me conheço para saber se vou suportar. Ela explicou que não poderíamos mais abortar, pois neste momento seria perigoso para mim. Northon veio me buscar e o convidei para conversamos. O rumo mudou, reunimos nossas mães e contamos. Parecia que elas já sabiam, vão nos apoiar.

Nossas mentes voltaram para o foco dos estudos, pois queremos que nossa filha tenha orgulho de si e de nós.

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