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Notícias

20 de agosto de 2022

Dois pesos e duas medidas

Não fazia muito tempo que eu tinha me mudado para a capital. Eu acreditava que a agitação da cidade grande me traria liberdade. Ali eu não era ninguém, exatamente o que eu queria ser naquele momento.

Quando cheguei, o que mais me agradava era a solidão, eu podia ouvir meus pensamentos como nunca e meu violino me fazia a companhia perfeita. Assim passávamos a noite, eu e ele. Por que durante o dia eu tinha minhas obrigações universitárias, interesse que eu tive que criar a fim de que meus pais aceitassem a minha partida com alegria. Eu nunca entendi bem as imposições sociais, sempre me senti desconectado. Os padrões nunca me serviram e eu nunca senti que servia de verdade para algo.

Eram exatamente 21:13hs e eu estava no mesmo trajeto das terças à noite, caminho que me levava da aula de violino para o apartamento. A aula terminava as 20:30, eu pegava um ônibus e caminhava 3 quadras até chegar em casa. Poderia ser excelente, mas não era.

Eu nunca soube o porquê. Se era a maneira de me vestir, meu corpo esguio, meu olhar perdido ou todo esse conjunto. A verdade é que aquela era a terceira vez que eu estava sendo assaltado.

Nunca sofri violência física, eles pediam meu dinheiro e eu entregava o que tinha, outro dia levaram o telefone também. Eu só pedia pra não levarem o meu instrumento.

Mas dessa vez eu não sentia que podia suportar mais sem reação alguma. Eu estava cansado da história que se repetia. Eu não cogitei uma reação violenta, só não queria aceitar passivamente. Foi então que no auge da minha insensatez eu perguntei ao rapaz:

-Você acredita em Deus?

Ele olhou dentro dos meus olhos e como uma flecha certeira desferiu sua resposta:

- Eu acredito. Mas Ele não acredita em mim.

Ele levou minha carteira e pediu meu violino. Entreguei. Eu não tinha mais reação depois daquela resposta.

Aquele rapaz tinha mais ou menos a minha idade, enquanto eu queria não ser visto, ele queria o contrário.

Eu nasci em uma família que me proporcionou mais que o necessário materialmente, sempre percebi que tinha mais que a maioria. Mas não me sentia grato o suficiente e nem na posição de recompensá-los como mereciam. Naquele momento eu me assemelhava ao meu algoz em pelo menos um ponto: nós dois buscávamos uma conexão superior pra preencher um vazio substancial.

Esse episódio já tem uns 20 anos. Logo depois eu aceitei a minha inaptidão em viver na cidade grande. Eu gostava da invisibilidade, mas percebi que ela poderia ser muito cruel as vezes. Desde aquele momento me pego pensando que é fácil se sentir amado por um Ser superior quando se tem alternativas ou quando nos sentimos pertencentes ao sistema. Caso contrário, se torna difícil de compreender que somos tratados com o mesmo peso e mesma medida por Deus.

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