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8 de abril de 2023
Sexta-feira Santa
Eram 5 horas quando nosso relógio despertou. Mais uma manhã de Sexta-feira Santa em que nos preparávamos colher marcela. De acordo com o que o meu vô ensinou para a minha mãe, a marcela colhida antes do nascer do sol nesse dia sagrado possuí as suas propriedades medicinais aumentadas. Mas apesar de toda simbologia do dia e da tradição, eu e a minha irmã, ainda crianças, víamos aquele ritual como uma boa aventura.
O ar geladinho da manhã e o dia que ainda era “noite” sempre traziam consigo algo de misterioso. O que parecia mais natural era a companhia da minha irmã, minha mãe e meu vô. Todo o trajeto era feito conversando baixinho e se começássemos a nos empolgar demais dando risada, já éramos interrompidas com um “-Shhh! Hoje é Sexta-Feira Santa”. A mãe sempre nos disse que este era um dia de silêncio e respeito à morte de Jesus, não podíamos falar alto, brincar, cantar, brigar e nem correr. Como crianças, esse era o dia que mais tínhamos vontade de fazer tudo isso, mas entendíamos aquele porquê e respeitávamos. Também nos era dito que criança que cai nesse dia fica com cicatriz pra sempre e ainda que tinha uma história que dizia que uma moça foi ao baile na Sexta-feira Santa e um lindo rapaz a tirou para dançar, ao final da dança ela percebeu que ele tinha pés de cabrito. Sempre foram muitas histórias envolvendo esse dia.
Nós que, “seguíamos a tradição” e que respeitávamos o dia com silêncio, sem comer carne e assistindo filmes de Jesus nos sentíamos abençoados. E não é que naquela manhã, na colheita da marcela, algo inusitado aconteceu?!
No percurso da colheita, minha mãe avistou R$10,00 caídos no chão, depois minha irmã encontrou mais R$10,00, meu vô achou também e por fim, foi minha vez de encontrar os meus. Ficamos maravilhados com a nossa “gratificação vinda dos céus” e essa história contamos várias vezes com graça e alegria.
Depois disso devem ter havido outras sextas-santas que saímos juntos, mas aos poucos, com o passar do tempo, aquela companhia, que parecia tão natural, foi deixando de existir.
Depois que o vô faleceu, o trajeto da colheita se encerrava com um galinho de marcela no seu túmulo junto com uma oração. Anos depois, eram dois galinhos que eu e a minha irmã reservávamos para o cemitério junto com muito amor e saudade.
Já não éramos mais crianças, e acabamos entendendo que o mistério desse dia estava mesmo em compreender a necessidade da partida de quem mais amamos e de quem fez tudo por nós.
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